sexta-feira, 4 de março de 2011

A festa dos Anjos

Maria Emmir O. Nogueira
Co-fundadora e Formadora Geral da Comunidade Católica Shalom
Desde pequena, como a maioria de nós, hoje quarentões, aprendi com meus pais e com as religiosas do colégio a invocar os Santos Anjos da Guarda e a esperar deles a proteção contra os perigos físicos e o perigo espiritual do pecado. Como muitos de nós, aprendi a não passar um dia sequer sem recomendar-me a Nossa Senhora e ao “Santo Anjo”. Os anos se foram passando, veio o Cursilho, a RCC, o ECC, tantos encontros, irmãos e amigos e, finalmente, o Shalom. Muitos fatos novos em minha vida pessoal e espiritual, mas o “Santo Anjo”, o ex-“Anjinho da Guarda”, sempre lá, presente comigo, nem que só pela lembrança e hábito de invocá-lo todos os dias.

Ao longo da caminhada na RCC, fomos todos aprendendo a contar mais com os Santos Anjos quando orávamos pelos irmãos em dificuldades espirituais ou quando nos encontrávamos em necessidades especiais. Muitos artigos destes seriam necessários para contar apenas algumas das muitas histórias da ajuda e intervenção dos Santos Anjos em nosso favor.

Uma de minhas histórias preferidas é a que ocorreu cerca de doze anos atrás. Estava no aeroporto a caminho de Aracaju – destino para o qual se faz necessária uma conexão, pelo menos. Ao ser atendida – embora estivesse dentro do prazo de horário antes do embarque, fui informada de que havia ocorrido o famoso “overbook” e que eles me haviam colocado em uma lista de espera, na qual eu ocupava o oitavo lugar. Minhas chances de viajar eram, portanto, mínimas. Pensei no encontro que ia pregar, na conexão que certamente iria perder, nas 24 horas de atraso mínimo para chegar a Aracaju.

Fiquei de pé a alguns passos do balcão, meio desolada, a ver os passageiros entrarem no portão de embarque e nada da lista de chamada ser anunciada. Fui ao balcão novamente e me informaram que não fariam a chamada da lista, pois não havia vagas. Sem saber o que fazer, pois minha carona me havia deixado no aeroporto e ido embora, fiquei novamente parada no meio do tempo e pedi ajuda aos anjos. Que Deus me enviasse um anjo em favor do seu povo em Aracaju. Logo depois chegou perto de mim um rapaz com camisa branca e calça azul marinho, típicas dos uniformes das Companhias Aéreas:

- A senhora é D. Maria Emmir?
Pensei que fosse algum ex-aluno ou alguém que me conhecesse dos encontros católicos.
- Sou....
- A senhora está na lista de espera...
- Sim, mas sou a oitava e me disseram que não vão nem chamar a lista...
E ele, mostrando-me um cartão de embarque preenchido, disse, firme:
- Vamos, eu vou embarcar a senhora.

Sem pensar duas vezes no absurdo da situação, peguei minha mala de mão – sempre detestei viajar com malas grandes que se tem de arrastar e despachar e, além disso, a viagem era só de dois dias – e segui-o. Ele passou comigo pelo rapaz que controlava a porta para a sala de embarque, disse-lhe qualquer coisa rápida e me conduziu direto para a porta de saída para a pista, uma vez que todos os passageiros haviam embarcado. Novamente disse algo à moça da companhia que aguardava, entregou-me o cartão – na época, o passageiro o entregava ao pessoal de solo ao pé da escada do avião – e voltou imediatamente. Entrei na pista e voltei-me para agradecer-lhe. Não o vi mais.

No avião, comecei a rever os acontecimentos. Tudo tinha sido muito rápido e muito fora do comum. A começar pelo meu nome. Um funcionário não me teria chamado de Maria Emmir, mas de Maria Nogueira, pois este é o registro na passagem. Um ex-aluno me teria chamado de Professora, ou Emmir. Um funcionário ter-me-ia levado ao balcão para preencher o cartão de embarque e destacar a passagem.

- A passagem!, pensei. Ela seria a prova! Tirei-a da bolsa e examinei. Não havia sido destacado o trecho de ida! Este fato tirou todas as minhas dúvidas. Tinha sido um anjo!
Algum leitor desta revista que resida em Aracaju e tenha ido àquele encontro há tantos anos há de lembrar-se com que emoção e gratidão partilhei com os participantes do encontro esta intervenção do céu em favor deles.

Uma história bem comum que mostra a intervenção do céu em nossa vida diária, esta, como disse, é uma das muitas “histórias de anjos” que eu poderia contar. Anjos ajudam-nos a toda hora e das formas mais simples possíveis: no trânsito, no trabalho, na pregação, nos encontros difíceis entre pessoas...

Muitos anos se passaram, desde este incidente do aeroporto, até que, em um momento de imensa provação, aprendi com uma irmã, muito querida, a ser amiga dos anjos e contar com eles em minha caminhada através da devoção do “terço dos anjos”, ou “terço de São Miguel”. Na época, eu passava por uma tremenda batalha espiritual, quando objetos desapareciam de minha sala de trabalho e iam parar em lugares totalmente diferentes, acontecimentos completamente sem lógica, arrombamentos inexplicáveis e reações incoerentes dos que amava e dos que me orientavam, pareciam determinados a enlouquecer-me. Tive, na época, muitos “anjos de carne e osso”, mas se não fossem os Santos Anjos, nos seus nove coros, invocados no “terço de São Miguel”, a batalha teria, certamente, sido muitíssimo mais difícil.

Ao rezar o terço dos anjos – coisa que procuro fazer todos os dias, desde que tenha já ido à missa, feito minha oração pessoal e estudo bíblico e rezado o terço do Rosário a Nossa Senhora, Mãe de Deus, Rainha de todos os homens, de todos os santos e de todos os anjos, fui ficando cada vez mais agradecida a Deus pelos seus anjos, que velam por nossa vivência da caridade (os serafins), pela nossa vivência da humildade (os tronos), da obediência, das boas obras etc. Aprendi a invocar os coros específicos nas situações certas. Tentada contra a humildade, por exemplo, invoco imediatamente o coro dos tronos; tentada pela omissão, invoco os arcanjos; tentada contra a obediência, invoco os anjos do coro dos principados; tentada contra alguma paixão da carne, invoco o coro das dominações e assim por diante. Ser amiga dos anjos tornou-se um verdadeiro socorro de Deus, um hábito salutar e eficaz em minha vida espiritual, uma alegria especial por saber que, a cada dia, em cada situação, posso contar com eles, orar com eles, recorrer a seu socorro.

Ao ter estas experiências tão maravilhosas com os anjos, entretanto, entristeço-me imensamente com a onda meio esotérica, meio nova-era que criou, há algum tempo, a “moda” de “acreditar” nos anjos e tê-los mais por amuletos que por companheiros enviados por Deus. Tudo o que a Palavra e a Doutrina da Igreja nos ensinam vem contestar esta onda de modismo onde a figura dos anjos é misturada com horóscopo, entidades míticas e várias superstições. Onde sua figura santa passou a ser profanada pela superstição, enfeitando tudo o que se pode imaginar, até festinhas de aniversário de criança, com o objetivo muitas vezes puramente financeiro. Nada mais triste e menos verdadeiro, nada tão ingrato para com estes nossos bons e fiéis amigos, protetores e companheiros de viagem.

Tristeza com o mau uso da figura dos anjos à parte, fui aos poucos sendo atraída em especial pelos três arcanjos citados na Bíblia: São Miguel, São Gabriel e São Rafael. No início de minha caminhada, lá por 1979, quando começara a trabalhar com a evangelização de jovens, abalada com alguns acontecimentos desagradáveis, fui “apresentada” a São Miguel. Estava em dúvida se devia ou não prosseguir com os jovens diante de tantos mal entendidos, de tantos desafios e pedi uma Palavra ao Senhor. Jamais a esquecerei: Daniel, homem de predileção, disse-me ele, presta atenção às palavras que vou dirigir-te. Levanta-te pois tenho uma mensagem a te confiar (...) desde o primeiro dia em que aplicaste teu espírito a compreender, e em que te humilhaste diante de teu Deus, tua oração foi ouvida, e é por isso que eu vim. O chefe do reino persa resistiu-me durante vinte e um dias; porém Miguel, um dos principais chefes, veio em meu socorro (Dn 10,11ss). Compreendi que os anjos lutavam em favor dos homens, que são uma resposta concreta de Deus à nossa oração e que combatem em favor dos que desejam de todo o coração fazer a sua Santa vontade. A partir daí, mesmo sem conhecer quase nada sobre os anjos, fiquei muito amiga de Miguel. Nossa amizade aumentou ainda mais diante do castelo de Santo Ângelo, em Roma, no qual se refugiara o Papa Gregório Magno após invocar São Miguel e a ele entregar a cidade em perigo.

Pouco depois caiu-me nas mãos um livro evangélico, best-seller na época, chamado “Este Mundo Tenebroso”, que fala da batalha espiritual como os evangélicos a entendem. Minha amizade com os anjos estreitou-se mais ainda.

Anos depois, foi a vez de Gabriel. Estava lendo São Luís Grignion de Montfort e vi que ele considerava São Gabriel como o anjo da guarda de Nossa Senhora. Comecei a pensar na beleza do relacionamento entre São Gabriel e ela. Como eles devem ter sido amigos! Quantas vezes ele não teria guardado e defendido a ela e ao menino Jesus! Que alegria teria tido Gabriel ao anunciar à Mãe de Deus que chegara o tempo propício, o tempo da salvação!

São Gabriel passou a ser, para mim, aquele que anuncia a alegria da salvação. Quando me vi em meio de grande sofrimento, de desesperança e tristeza, aprendi a rezar a jaculatória inventada para sustentar-me naquela ocasião: “São Gabriel, não tardes mais, anuncia-me a alegria da salvação”. Sabia, pelo Sl 51(50), que esta alegria nos é anunciada a cada vez que nos arrependemos e confessamos os nossos pecados, mas cria firmemente que haveria um anúncio de salvação em minha vida, anúncio que me tiraria da situação de provação em que me encontrava.

Acostumei-me, a cada manhã, a invocar, além do meu anjo da guarda e dos anjos da guarda de meus familiares e irmãos de comunidade, os três arcanjos: Miguel, que me defende do Inimigo, do perigo do pecado; Gabriel, que me anuncia a alegria da salvação, e Rafael. Bem, Rafael é uma história toda especial.

Ao longo de minha vida, como disse, fui-me acostumando a contar com os anjos nas situações mais aflitivas e também nas mais corriqueiras. Como viajo freqüentemente, muitas das minhas “histórias de anjo” ocorreram diante de fatos inesperados durante as viagens. Aeroportos, aviões, carros, estacionamentos, vagas em vôos são oportunidades nas quais os anjos me auxiliam muito freqüentemente. Há uma história especial em que tive de viajar de carro, sozinha, para Pacajus, devido a uma emergência na comunidade estabelecida nessa cidade. Sabia que o carro estava com os documentos atrasados, mas não tinha outra opção senão entrar no carro e sair o mais rápido possível.

Antes de entrar na BR, pedia já ao Senhor que enviasse seus anjos para que não fosse parada no posto da Polícia Rodoviária Federal, onde hoje é o anel viário. Alguns quilômetros antes do posto, onde a pista dupla estreitava, fui cortada por uma caminhonete Rural Willys velhíssima, branca, com a tinta toda gasta e a porta traseira amarrada por uma corda. O motorista pareceu-me um grande “barbeiro”, pois dirigia muito lentamente e não me dava chance de ultrapassar. Aquela situação foi-me irritando, mas resolvi ficar pacientemente atrás da caminhonete, na esperança de que, na cancela do Detran, ela ficasse retida devido ao seu estado deplorável e, assim, eu pudesse escapar da fiscalização.

Para minha surpresa, na cancela o motorista e seu companheiro acenaram e gritaram amigavelmente para os guardas e passaram sem problemas. “Colada” neles, também eu passei sem ser parada pelos guardas, agradecendo aos anjos por me terem protegido.

Ainda um bom tempo a caminhonete seguiu à minha frente, sem deixar-me ultrapassar, de tal forma que cheguei a pensar em assalto e, temerosa, resignei-me a ir até o final atrás dela, pensando o tempo todo no atraso que me estava causando. Em dado momento, uma carreta saiu da pista contrária e cortou a caminhonete pela frente, vindo para o acostamento à nossa direita. Um imenso susto. Mais uma vez, agradeci a Deus e aos anjos que me protegiam. Logo depois da “cortada” da carreta, chegamos a um quebra-molas, na entrada da cidade de Horizonte. A caminhonete, sempre à minha frente, subiu lentamente o quebra-molas mais enviesada do que normalmente se faria. “Eita cara barbeiro!”, pensei. O motorista, então, debruçou-se na janela, colocou o tronco quase todo para fora, e, meio virado para trás – para mim – acenou largamente e dobrou para a esquerda. Aliviada por me ver livre do “barbeiro” e sem corresponder ao seu aceno, segui para subir o quebra-molas, pois vinha imediatamente atrás dele. Tive, então a curiosidade de olhar pelo retrovisor e espelho lateral para ver aonde tinha ido a caminhonete. Não havia sinal dela, nem de estrada à esquerda, nem de casa ou sítio onde ela pudesse ter estacionado ou entrado!

Estranhamente, cheguei ao meu destino no horário previsto, embora tivesse tido de dirigir bem mais lentamente que o normal devido à caminhonete, que me impedira a passagem o tempo todo. Na volta, algumas horas mais tarde, passei atentamente pelo local, procurando sinal da caminhonete (nas cidades à beira da estrada, é comum os carros da região estacionarem diante das casas). Teria sido a caminhonete um anjo enviado por Deus? Teria este anjo – meio “barbeiro, sem dúvida” - livrado-me da fiscalização da Polícia, da colisão com a carreta? Por que, passados os dois perigos, o motorista havia posto metade do corpo para fora e acenado, sorridente, tomando a esquerda? Uma brincadeira? Por que não fui capaz de seguir a caminhonete pelo retrovisor ou pelo espelho lateral, apesar da baixa velocidade provocada pelo quebra-molas? Deus sabe estas respostas todas. De minha parte, acostumada com a proteção dos anjos, posso identificar algumas características destes nossos amigos, em especial de Rafael, sobre quem falamos agora.

Em uma outra ocasião, tendo passado por algumas aflições durante uma viagem para pregar na Malásia, onde havia experimentado claramente a presença dos anjos em várias ocasiões bastante perigosas, tinha de esperar 12 horas por uma conexão no aeroporto de Frankfurt, depois de cansativas e tensas 16 horas de viagem. Exausta, sem saber bem se era dia ou noite (impossível saber desse fato banal no imenso aeroporto de Frankfurt), pedi aos anjos que me ajudassem em três coisas: a encontrar um local onde eu pudesse rezar, a conseguir um local onde eu pudesse carregar a bateria do laptop que me haviam emprestado (as tomadas do aeroporto não eram compatíveis com as do aparelho) a fim de que eu pudesse acabar de escrever um trabalho, e a me arranjar alguma coisa para comer, pois estava sem dinheiro (trazia apenas o dinheiro que haviam enviado para a comunidade e que, portanto, não me pertencia) e com fome.

Comecei a andar ao léu no imenso aeroporto, pois, se me sentasse, dormiria e, se dormisse, era perigoso me tirarem a maleta ou o laptop. De repente, como que ouvi um direcionamento. “Sente-se ali”. Era do lado contrário onde eu estava, mas como havia várias fileiras de cadeiras vazias, resolvi sentar-me e procurar manter-me acordada. Quando acomodei a maleta, a bolsa e o laptop, li em um cartaz sobre uma escada bem à minha frente: “Capela Ecumênica, missa às 9 horas”. Meu relógio, acertado no avião, antes de descer, dizia-me que eram dez para as 9, mas era manhã ou noite? Resolvi arriscar, subi a escada e encontrei, sorridente, à porta da pequena capela, o capelão do aeroporto, membro de uma congregação cujo ministério é atender nos portos e aeroportos (louvei tanto a Deus por ter inspirado esta vocação bendita!). Após receber a mim e a uns poucos outros à porta da capela, o capelão celebrou a missa e, para minha surpresa – deveria, ainda, estar surpresa? – convidou-me para tomar café com ele e mais algumas pessoas que vagavam pelo aeroporto e que pareciam ser seus convidados diários. Olhando o meu laptop, o padre acrescentou: “Se a senhora quiser, há também aqui um pequeno escritório onde poderá trabalhar”.

Naturalmente, aceitei tudo de bom grado, agradecida aos anjos que mais uma vez me haviam ajudado, mas procurando ainda um daqueles sinais característicos que eles costumam deixar. Foi quando um dos meus companheiros de café, um jovem africano que há dias vagava pelo aeroporto em busca de uma passagem para os Estados Unidos e que, muito provavelmente, tinha pouco o que comer, perguntou-me se eu gostava de chocolate. Disse que sim, pensando que era só uma falta de assunto da parte dele. Logo ele saiu e eu comecei a trabalhar no escritório da capelania. Pouco depois ele voltou, com um pequeno chocolate na mão, bateu no vidro da sala e disse: “Teu anjo da guarda te mandou isso”. Era o sinal!

Os anjos são sempre bem-humorados e divertidos! Por minhas experiências de viagens, creio que São Rafael, o protetor dos viajantes, é um dos mais bem-humorados de todos. Neste mesmo aeroporto de Frankfurt, antes de encontrar a capelania, havia tentado ligar meu computador na sala vip da companhia aérea na qual eu viajava, mas o acesso me foi negado, pois tinha cartão “prata” e o acesso era somente para os que têm cartão “ouro”. Interessante é que os anjos não me ajudaram – e nem eu pedi!-a entrar nesta sala vip, repleta de pessoas muito chiques, ricas e bem parecidas, a degustar, gratuitamente, vinhos e queijos, ao som de música suave. Os anjos não parecem afeiçoar-se a soluções que poderiam ser dadas por homens ou por privilégios humanos, para que toda a glória seja dada a Deus. Assim, preferiram arranjar-me comida espiritual e material na Casa de Deus, onde eu poderia escrever sobre Deus depois de tomar café com leite e pão com salame ao lado de um seminarista africano que tentava ir para os Estados Unidos, um australiano um pouco fora de si que sonhava em voltar para a Austrália para evangelizar os aborígenes e cujos olhos brilhavam ao me ouvir contar que conhecia um grupo de jovens que os evangelizava através da NET (National Evangelization Team). Juntos, à mesa provida pelo Senhor, falamos da futura missão no Congo, de minha experiência na Austrália e na Malásia, que o australiano conhecia. Às vésperas do terceiro milênio, três doidinhos de Deus, de três continentes diferentes, desgarrados em um aeroporto enorme, falando de evangelização e comendo salame. Há coisa mais bem-humorada que essa?

Logo, porém, eu viria a aprender muito mais sobre São Rafael. Orando, cerca de dois anos atrás, sobre uma situação que vinha se arrastando há anos e parecia jamais resolver-se e que se tornava cada vez mais aflitiva, envolvendo manutenção básica da família, relacionamentos conjugais, familiares e moradia, pedi ao Senhor uma palavra que me orientasse. Abri em Tobias 6 e acabei relendo o livro inteiro, mas desta vez sob a perspectiva de São Rafael e não mais sob a ponto de vista de Tobias, como fizera antes.

Percebi, maravilhada, que Rafael havia sido meu companheiro de caminhada durante toda a minha vida, o guardião de minha castidade antes e depois do casamento. Percebi como ele tinha sido meu companheiro nas viagens de evangelização, nas oito mudanças de residência que havia feito durante o meu casamento, de como ele havia sido medicina de Deus inúmeras vezes em minha vida e, em especial, nesta ocasião, o quanto ele me era apresentado por Deus para ser aquele que libertaria a minha família inteira para um novo tempo de vida, tranqüilidade e paz. Como com Tobias, ele nos conduziria à casa do Pai, proviria nossas necessidades básicas, dar-nos-ia um relacionamento amoroso e livre, protegeria, em especial, a castidade dos filhos, todos jovens e adolescentes.

Passaram-se duas semanas desta oração quando recebi a oferta de irmãos para que fôssemos morar em um apartamento de sua propriedade, sem pagar, durante o tempo que precisássemos. Foi muito difícil discernir a vontade de Deus. Devido ao compromisso de pobreza, não poderia aceitar tal oferta sem um prévio e cuidadoso discernimento dos formadores comunitário e pessoal e, em meu caso, do Moderador Geral da Comunidade.

Em conversa com a irmã proprietária do apartamento, ela contou-me a história do nome do prédio que, depois de muitos meandros, acabara por chamar-se “São Rafael”. Para mim, o sinal estava dado, o autor da “trama” estava descoberto. Cumpria-se, mais uma vez, a promessa de Deus e o auxílio dos seus anjos, em especial – nesta fase de minha vida –, de São Rafael.

No entanto, havia decidido nem mesmo visitar o apartamento até que um dos formadores assim determinasse. Foi o formador comunitário quem me pediu para ir com ele conhecer o imóvel. Somente depois do discernimento fechado – que deveríamos aceitar – revelei a história de São Rafael.

Encantada com este anjo bendito, resolvi pesquisar mais sobre ele e escrever sobre ele um livro que atingisse os jovens em sua caminhada para discernimento de estado de vida; os casais, tão duramente atingidos por todo tipo de maldição sobre seu matrimônio; as famílias com problemas financeiros e de moradia – tão comuns hoje em dia. O objetivo do livro é mostrar que os anjos – no caso São Rafael – estão muito próximos a nós. Pensei em começar escrevendo um artigo para a Shalom Maná neste mês dos anjos, mas vi que seria talvez mais importante partilhar com você que os Santos Anjos foram criados para o louvor de Deus e também para o auxílio dos homens, e como isso é uma belíssima realidade que devemos anunciar a todos e passar aos nossos filhos e aos filhos dos nossos filhos.

Duas últimas “histórias de anjo”, para testemunhar a importância de passarmos o amor aos anjos aos nossos filhos. A primeira:

Com muito custo, consegui um fato raro. Desvencilhei-me dos mil afazeres para ir com o Serginho, o caçula, a um filme que há muito ele desejava ver. Mais importante que o filme, porém, era a rara companhia da mãe. Chegamos ao shopping já em cima da hora e, como sempre, fomos pedindo ao Anjo da Guarda o melhor estacionamento, na sombra, fácil de estacionar, perto do cinema. Sempre costumávamos brincar, dizendo, enquanto percorríamos os estacionamentos lotados: “Teu anjo cuida do lado esquerdo e o meu do direito. Vamos ver que anjo “ganha”.” Claro, o dele quase sempre “ganhava”.

Nesse dia, porém, o estacionamento estava inteiramente lotado. Serginho, visivelmente ansioso por causa do horário do filme, e eu, culpada por não ter podido sair do trabalho mais cedo. Arrodeando as ilhas dos estacionamentos, chegávamos cada vez mais próximos do cinema, onde era cada vez menos provável encontrarmos uma vaga. Disse então ao meu filho:

- Sabe, Serginho, acho que hoje a gente vai pedir também à Mamãe do Céu, a Rainha dos Anjos, para ela dar uma ajudinha aos nossos anjos da guarda, e eu tenho certeza de que a gente vai arrumar uma vaga bem perto do cinema.

Rezamos uma Ave-Maria e a jaculatória da Rainha dos Anjos. De repente, ele gritou: “Olha, mãe, ali!”. Do outro lado, bem na frente da entrada para o cinema, havia uma vaga. Para chegar lá, teria de arrodear mais uma ilha de estacionamento e a possibilidade de outro carro pegar a vaga era imensa. Sim, imensa para os homens, mas não para Deus. Estacionamos facilmente o carro e, enquanto fechava apressada minha porta, ouvi o Serginho gritar do outro lado:
- Mãe, Mãe! Olha o que achei!

Ao descer do carro ele quase pisara em um calendário de bolso cuja ilustração era nada mais, nada menos do que o ícone de Nossa Senhora da Ternura! Novamente o sinal, a presença, o carinho, o “oi, estou aqui” dos anjos!

A segunda história, esta nominalmente de São Rafael:
Depois de muito custo, tínhamos conseguido o necessário para pagar a mensalidade de dezembro e assim podermos matricular nosso filho. Havia passado, já, o último dia de matrícula e o colégio estabelecera aquele dia mais retardado para os alunos que haviam feito a recuperação. Embora este não fosse o caso de nosso filho, tínhamos conseguido este caridoso adiamento junto ao colégio.

Eu estava com muita pressa e a fila do caixa para o pagamento da matrícula arrastava-se. Pedi então a São Rafael: “Você, que me conseguiu este dinheiro para o mês de dezembro, consegue-me também o do material escolar”. Ia rezando enquanto a fila se arrastava e a hora passava cada vez mais depressa. Enquanto estava na fila lentíssima, conversei com três pais que se juntaram em uma rodinha e convenci-os a enviar os filhos para o Acampamento que se realizaria em janeiro. Havia também orado pedindo a efusão do Espírito Santo para uma senhora e sua filha, ambas em grande confusão e aflição, que também estavam na fila. Esquecida da bondade de São Rafael, ainda rezei, meio impaciente, depois de orar pela senhora: “Ai, São Rafael, vou perder o compromisso!”.

No mesmo momento, aproximou-se uma funcionária e encaminhou os últimos da fila para um outro caixa. Fui a primeira. Apresentei o documento não quitado de dezembro e o contrato preenchido da matrícula com o dinheiro para pagar ambos. Rápida e eficiente, a senhora do caixa devolveu-me o comprovante de matrícula e o documento de dezembro junto com o dinheiro:

- Sua mensalidade de dezembro já está quitada.
- Mas, como? Nós não pagamos...
- Então alguém pagou pela senhora, disse-me, paciente, virando para mim o monitor do computador onde se comprovava a quitação.

Fiquei sem saber o que fazer, quando ela acrescentou:
- A senhora nem precisava ter entrado na fila... Próximo...
Saí, sem entender nada e entendendo tudo. Na verdade, do ponto de vista de Deus, tinha precisado estar na fila por causa dos jovens para o acampamento e da oração pela senhora e sua filha. Por outro lado, aos olhos dos homens, não teria precisado estar na fila, mas o que nós, homens, sabemos, afinal? Havia pedido a São Rafael o dinheiro para o pagamento de dezembro e ele, misteriosamente, havia pago por mim enquanto, na fila, eu fazia o que Deus queria que fizesse. Jamais soube que documento utilizou para fazê-lo.

Passei ao preenchimento da ficha, fiz a matrícula, recebi a folha com a lista de livros que comprei logo no dia seguinte e paguei – pela primeira vez em muitos anos, à vista – com o dinheiro da mensalidade de dezembro que algum anjo pagara por mim.

Fico devendo aos jovens e às famílias o livro sobre São Rafael. Até esse dia, esta partilha sirva para que nos recordemos sempre que céu e terra estão muitíssimo mais próximos do que percebemos e que é verdadeira a Palavra do Senhor quando diz:

“O anjo do Senhor acampa ao redor dos que o temem e os guarda. Provai e vede como o Senhor é bom! (...) O Senhor encarregará seus anjos de te guardarem em todos os teus caminhos” (Sl 34(33),8; 91(90),11).

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